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Alocução do Representante da República por ocasião do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas

Praça Velha – 10 de junho de 2023

 

 

Celebramos hoje, aqui na Praça Velha, o Dia de Portugal.

Dificilmente poderíamos encontrar um lugar melhor para celebrar o dia 10 de junho e aquilo que ele simboliza para nós, portugueses. Bem no centro de Angra do Heroísmo, este lugar lembra-nos o papel decisivo que os angrenses e a cidade tiveram em vários momentos da História de Portugal. Daqui podemos apreciar a beleza harmónica da cidade e a paz que nela se vive. Mas daqui podemos também compreender a razão pela qual Angra e o seu centro histórico são património mundial da humanidade e fazem parte de um mundo em mudança acelerada.

Neste local simbólico, podemos olhar com algum distanciamento para toda a turbulência que percorre o país e o mundo e refletir sobre como podemos navegar nesse mar crispado em busca de um porto seguro. Neste local simbólico, podemos ao mesmo tempo sentir o privilégio de viver em paz e democracia e procurar traçar uma rota para a futuro, focar a nossa atenção nas questões essenciais, na preservação dos nossos valores civilizacionais e da nossa segurança coletiva.

Se me permitem – sem ter a pretensão de dar lições a ninguém –, parece-me que são essencialmente cinco os grandes desafios que se colocam a Portugal, à União Europeia e à Comunidade Internacional no seu conjunto.

 

Em primeiro lugar, a preservação da paz e da segurança coletiva. É impossível ignorar o tremendo impacto que o regresso da guerra ao território europeu está a ter e irá ter para todos nós nos anos mais próximos, independentemente do desfecho que a brutal agressão da Rússia à Ucrânia possa vir a ter. A ONU tem vindo a implementar há anos uma Agenda para a Paz, com resultados muito significativos em diversos pontos do globo – sustentando inúmeras operações de manutenção de paz e, inclusivamente, autorizando operações de ingerência humanitária –, mas essa agenda não é apta para resolver puras guerras de agressão, perpetradas por superpotências nucleares, com assento permanente no Conselho de Segurança.

Portugal, com os seus parceiros da NATO e com os demais Estados-Membros da União Europeia tem de se manter firme e solidário na defesa da Ucrânia e do seu povo martirizado. Falhar no apoio à Ucrânia terá, não tenhamos dúvidas, consequências irreversíveis na nova ordem geopolítica global.

 

Em segundo lugar, são cada vez mais evidentes os sinais de que o mundo entrou num estado de emergência climática, de que os dois sinais mais marcantes são o aumento da temperatura da Terra e a subida do nível do mar. A generalidade dos cientistas confirma-o e os mais altos responsáveis das NU, incluindo o Secretário-Geral António Guterres, não se têm cansado de insistir na necessidade de mudarmos o nosso comportamento, na utilização dos recursos naturais, no uso de energias fósseis e no destino dos lixos e desperdícios da nossa sociedade de consumo.

Neste domínio, temos consciência de que os Açores têm sido e podem ser ainda mais um exemplo de boas-práticas de preservação ambiental. Portugal e a UE têm também feito um grande esforço para acelerar a transição energética e atingir a neutralidade carbónica num horizonte temporal razoável, mas o problema é claramente global e as assimetrias entre o Norte e o Sul e entre os diferentes blocos económicos são gritantes. As instituições da Comunidade Internacional têm de manter uma forte pressão diplomática sobre os principais poluidores, mas também têm de apoiar os países mais pobres a promover o seu desenvolvimento económico de uma forma mais sustentável. O combate às alterações climáticas é, pois, indissociável da Agenda para o Desenvolvimento da ONU e dos seus objetivos de desenvolvimento sustentável.

 

Em terceiro lugar, é inevitável reconhecer que, depois de sucessivas vagas de democratização em diversos continentes, assistimos hoje a uma clara regressão democrática. Na Europa, imediatamente após a II Guerra, nas décadas de 70 e 80 e após a queda do Muro de Berlim, muitos países acederam à democracia e consolidaram progressivamente os respetivos sistemas políticos. O mesmo sucedeu noutros continentes.

Nos últimos anos, porém, a emergência de líderes e movimentos populistas um pouco por todo o mundo tem conduzido a uma preocupante erosão das instituições democráticas, incluindo nos três países considerados por norma como o berço do constitucionalismo liberal: o RU, os EUA e a França. O mesmo tem sucedido noutras grandes democracias, como a India, o Brasil ou a Turquia.

O populismo não é propriamente uma ideologia, mas uma estratégia utilizada, tanto à direita como à esquerda, para alcançar o poder e tomar conta dele, apelando à mobilização dos perdedores da globalização, dos excluídos do desenvolvimento económico e dos indignados com a degradação da vida política. Os populistas dividem a sociedade em termos dicotómicos – os nacionais e os imigrantes, os puros e os corruptos, o povo trabalhador e os políticos –, prometem soluções fáceis para problemas complexos e aspiram pelo regresso a um passado de glória e prosperidade. Num ambiente mediático intenso, proporcionado pelas redes sociais, mobilizam diretamente os eleitores e apostam na dissolução entre a verdade e a mentira, iniciando um tempo que já foi chamado como a “era da pós-verdade”.

É uma ilusão achar que o problema populista vai desaparecer por si ou que se resolve com cercos sanitários. Também aqui é preciso definir um caminho seguro de reforma e modernização das instituições democráticas, reconhecendo os erros do passado e evitando a sua repetição no futuro e preparar os jovens com uma sólida formação.

 

Em quarto lugar, é hoje evidente que a Internet e as tecnologias a ela associadas criaram um novo universo – o universo digital – e um novo modelo económico – a economia digital -, baseados em larga medida na recolha sistemática e no tratamento automatizado dos dados pessoais de todos nós.

Esta realidade inovadora em que todos estamos imersos, cria inúmeras oportunidades para a educação dos jovens, para a participação política dos cidadãos, para a integração e acompanhamento das pessoas idosas, para o desenvolvimento das empresas e dos seus negócios, para o progresso científico e da medicina. Oportunidades que importa aproveitar, mas também distribuir equitativamente entre todos os cidadãos, sob pena de se acrescentar aos excluídos da globalização os esquecidos da digitalização (ou infoexcluídos).

Em contrapartida, na senda da tradição constitucionalista liberal e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é preciso dotar as pessoas de novos direitos fundamentais, que lhes permitam aceder livremente ao universo digital, navegar aí em segurança, garantir a sua privacidade, proteger a sua dignidade em face de aplicações maliciosas da inteligência artificial e, bem assim, garantir a liberdade de expressão nas novas plataformas digitais, em especial nas redes sociais.

Também neste ponto, Portugal e a UE parecem estar do lado certo da história: Portugal aprovou recentemente uma Carta de Direitos para a Era Digital e as instituições europeias têm desenvolvido um esforço enorme de regulação do universo digital, para colocar esta nova economia e as ferramentas da inteligência artificial ao serviço das pessoas. É um trabalho que merece a nossa atenção e seria importante aproveitar as próximas eleições europeias para discutir estes temas, decisivos para o nosso futuro coletivo.

 

Finalmente, em quinto lugar, apesar de todos estes novos desafios, não podemos esquecer o muito que ainda está por fazer na correção das desigualdades sociais, na concretização dos direitos sociais universaiseducação, saúde, segurança social e habitação, bem como na proteção dos mais vulneráveis, como as crianças e jovens, os idosos, os deficientes.

O Estado de Direito é, por definição, respeitador dos direitos das minorias. Mas a defesa das respetivas causas identitárias não pode fazer esquecer que a democracia é sobretudo o governo da maioria e que a maior causa de desigualdade social e de erosão do tecido social continua a ser a desigualdade de rendimentos, entre pobres e ricos. Entre os que têm acesso a educação, saúde e habitação com qualidade e aqueles que exasperam com a falta de professores, de médicos de família, a viver com pensões de miséria ou em habitações sem condições. Sobretudo, a desigualdade entre os que têm elevados rendimentos e aqueles que estão desempregados ou, mesmo tendo emprego, têm um rendimento mensal que os deixa abaixo do limiar da pobreza.

 

Minhas senhoras e meus senhores,

 

Temos o privilégio de viver numa sociedade democrática, onde todas estas questões podem e devem ser discutidas com liberdade. Mas nada está garantido: as democracias também cometem erros. O que as caracteriza deve ser, justamente, a capacidade para reconhecer esses erros e corrigi-los.

Vivemos tempos incertos, de turbulência no plano internacional e nacional, que nos afeta também a nós pessoalmente. Mas neste dia de Portugal, neste lugar privilegiado no centro de uma cidade maravilhosa que é património da humanidade, devemos também reconhecer que há sinais positivos, de esperança, e de que Portugal e a UE têm feito progressos importantes para responder aos cinco desafios que acima apontei: segurança coletiva, emergência climática, regressão democrática, transição digital e desigualdades sociais.

 

Caras açorianas e açorianos,

 

É tradição que neste dia sejam impostas pelo Representante da República, em nome do Senhor Presidente da República, as insígnias das condecorações outorgadas a cidadãos e instituições açorianas que se notabilizaram pelas suas atividades, públicas ou privadas, honrando os Açores e Portugal.

Este ano serão agraciados o Comando Operacional dos Açores (COA), o Serviço Regional de Proteção Civil e Bombeiros dos Açores (SRPCBA) e o Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA), todos pelo seu notável desempenho face à crise sismovulcânica que desde 19 de março de 2022 e durante mais de seis meses assolou a ilha de São Jorge, contribuindo com a sua ação para a tranquilidade das populações afetadas.

Com estas distinções, o Senhor Presidente da República pretendeu decerto pôr em relevo não só a importância que aquelas entidades têm no apoio às populações em situação de catástrofe, mas também a sua contribuição para a tranquilidade e bem-estar das populações e para a coesão da Região.

A todos os agraciados exprimo as minhas felicitações e o meu muito obrigado. As insígnias serão entregues ainda hoje numa cerimónia no Solar da Madre de Deus.

O Comando Operacional dos Açores, como instituição militar que é, será condecorado de seguida, nesta Praça Velha, perante as forças dos três ramos das Forças Armadas, com a Medalha de Ouro de Serviços Distintos.

Permitam-me ainda que nesta ocasião deixe uma palavra de agradecimento aos Magistrados e Funcionários Judiciais, às Forças de Segurança, Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, Polícia Judiciária, Serviços de Finanças, Autoridades Aduaneiras, Serviços de Informação, e demais serviços da República na Região que aqui desempenham um trabalho notável do qual muito depende a qualidade de vida dos cidadãos.

 

Agradeço ao Senhor Presidente da Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, a sua disponibilidade para o apoio logístico desta cerimónia e toda a sua amável cooperação. Um agradecimento também à Filarmónica Recreio Serretense.

Exprimo a todos, açorianas e açorianos, aqui, na Madeira, no Continente e na Diáspora, os meus sinceros votos que o futuro vos reserve as maiores felicidades e prosperidades.

Viva a Região Autónoma dos Açores.

Viva Portugal.

 

Obrigado

Pedro Catarino

Angra do Heroísmo, 10 de junho de 2023