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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO

 

ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL "DIÁRIO INSULAR", DE 23 DE FEVEREIRO DE 2024

 

Mais uma vez, foi chamado a nomear o Presidente do Governo Regional, num contexto político de alguma incerteza. Foi uma decisão difícil?

Não particularmente.

É sempre mais fácil quando existe maioria absoluta, porque nesse caso os dois parâmetros que balizam a decisão do Representante da República – os resultados eleitorais e a audição dos partidos – convergem sempre no mesmo sentido. Isto é, o líder do partido ou da coligação vencedora.

Quando não há maioria absoluta, pode dar-se o caso de a audição dos partidos revelar que a força política que teve mais votos e mais mandatos não tem, contas feitas, capacidade para formar um governo que seja viável. Desde logo, um governo que consiga fazer aprovar o seu programa na Assembleia Legislativa. Foi o que aconteceu em 2020.

Mas não foi o que aconteceu agora. A Coligação estava segura de que queria formar um governo de maioria relativa e todos os demais partidos, sem exceção, lhe reconheciam o direito de formar governo. As audiências com os partidos foram importantes por causa disso: que à partida não existia uma coligação negativa para derrubar o governo logo por ocasião da apreciação do seu programa.

 

Sabe que há quem o acuse de ter tomado uma decisão contraditória com a 2020?

Bem sei, mas não me preocupa porque essa crítica não tem qualquer fundamento. Em 2020, o processo de audiências deixou muito claro que o PS, não obstante ter alcançado o maior número de mandatos, não apresentou nenhuma coligação de governo, nem nenhum acordo parlamentar, capaz de alargar a sua base de apoio, para além dos seus próprios 25 deputados.

Pelo contrário, o PSD formou com o CDS-PP e com o PPM uma coligação pós-eleitoral assente num acordo político escrito, válido para os 4 anos da legislatura que então se iniciava, garantindo à solução governativa apresentada o apoio permanente de 26 deputados. Acima, portanto, do resultado alcançado isoladamente pelo PS.

Só este facto seria suficiente para, respeitando os resultados eleitorais, equacionar a possibilidade de nomeação como Presidente do Governo Regional do líder da coligação então formada, Dr. José Manuel Bolieiro.

Lembro também que, para além disso, a coligação liderada pelo PSD obteve então dos outros partidos – o CHEGA e a IL – os compromissos de apoio parlamentar para o período da legislatura. Estes compromissos foram reafirmados, em forma escrita, perante o Representante da República, pelos deputados do CHEGA e da IL, então eleitos.

Mais ainda: os 3 partidos que integravam a coligação e os 2 partidos que a apoiavam ocupavam 29 dos 57 lugares do Parlamento Açoriano, perfazendo uma maioria absoluta. E todos eles declararam, claramente, que rejeitariam qualquer solução governativa liderada pelo PS.

Neste quadro, indigitei o líder do PSD e da Coligação então constituída, como Presidente do Governo Regional. Qualquer outra solução esvaziaria de sentido o procedimento de audição dos partidos, que curiosamente está previsto no Estatuto Político-Administrativo mas não na Constituição (que só se refere aos resultados eleitorais).

De resto, a Assembleia Legislativa não infirmou a decisão que então tomei – podia tê-lo feito – e os factos posteriores vieram provar que a solução governativa escolhida tinha condições de estabilidade. Governou durante 3 dos 4 anos da legislatura e foram sucessivamente aprovados 3 orçamentos.

 

No final da mensagem de indigitação, alerta os partidos para as “consequências profundamente negativas de uma nova crise política”. Há aqui uma reprimenda aos partidos políticos?

Não, de todo. Creio que é uma afirmação consensual, assim como o apelo que fiz ao diálogo entre todos os partidos.

Desde logo, se o programa do governo for rejeitado, não pode haver dissolução durante 6 meses. Depois de uma dissolução, seguir-se-iam mais 60 dias até novas eleições. Provavelmente o governo teria de ficar em gestão durante todo esse período. Não creio que haja precedentes na nossa história constitucional recente de um governo de gestão em funções durante tanto tempo. Além disso, seria praticamente impossível aprovar o orçamento para 2024. Se isto não são consequências negativas…

Enfim, em democracia não há nada que não se resolva com diálogo franco e aberto. Mas também sei, por experiência própria, que o diálogo dá muito trabalho e exige tempo e paciência. Mas estou muito confiante. Por exemplo, o acordo já alcançado para a constituição dos órgãos da Assembleia Legislativa é um excelente sinal.

 

Angra do Heroísmo, 23 de fevereiro de 2024

 

Pedro Catarino