40º aniversário da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento
Conferência Internacional das Lajes
Açores: do Oceano ao Espaço
18.19 de setembro de 2025
Sessão de Encerramento
Senhor Presidente da FLAD, Dr. Nuno Morais Sarmento,
Muito obrigado pelo amável convite para participar nesta Conferência Internacional dedicada aos Açores: do Oceano ao Espaço, integrada nas celebrações do 40º aniversário da FLAD e assinalando o 30º aniversário do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os EUA.
Permita-me que o felicite e à FLAD e à Comissão Organizadora por este aniversário e pelo excelente trabalho que tem vindo a realizar, bem como por esta tão oportuna iniciativa e pelo facto de ela se realizar nos Açores.
Os Açores constituem um importante elo entre Portugal e os EUA, talvez o mais importante, dado o papel que historicamente a Região sempre desempenhou e o seu contributo para a defesa dos interesses comuns dos dois países. Os Açores são uma guarda avançada do nosso país que lhe dá uma verdadeira dimensão atlântica.
Com a sua posição estratégica no meio do Atlântico Norte, a meio caminho entre os EUA e a Europa, a Base das Lajes permitiu uma ação eficaz na 2º Guerra Mundial na luta antissubmarina que permitiu neutralizar os ataques altamente destrutivos à navegação transatlântica, contribuindo de forma decisiva para a vitória dos Aliados.
Foram os Açores que juntamente com Portugal Continental e a Madeira e o seu posicionamento recíproco num triângulo estratégico às portas da Europa e do Mediterrâneo e dominando uma extensa zona do Atlântico Norte que justificaram que Portugal tivesse sido membro fundador da Aliança Atlântica, e fosse considerado país indispensável para garantir a ligação e segurança das vias de comunicação marítimas e aéreas e mais tarde das comunicações digitais asseguradas por cabos submarinos entre a América do Norte e a Europa, constituindo os Açores ao mesmo tempo um precioso ponto de apoio logístico.
E foram os Açores e o valor que a Base das Lajes representa para os interesses dos EUA que estão no cerne da criação da FLAD, cuja ideia nasceu no quadro das negociações em 1985 para a renovação da concessão em vigor.
Foi, todavia, devido ao desejo de ambos os países, num âmbito mais alargado, de que a nossa relação mútua se mantenha forte e saudável e de reforçar os laços políticos, económicos, culturais e sociais que ligam as nossas duas nações, que foi dado corpo à FLAD e é nesse espírito e nesse quadro que ela tem atuado nos últimos 40 anos.
Não vou repetir o que o Dr. Paulo Portas nos disse ontem com respeito ao Acordo de Cooperação e Defesa de 1995 e às negociações em que tive o privilégio de presidir à parte portuguesa de 1990 a 1992.
A posição então expressa pela parte americana era a de que a sua presença nos Açores, embora servisse importantes interesses estratégicos próprios, servia igualmente os interesses da NATO e da segurança coletiva da Europa e da CE a que Portugal tinha aderido em 1980, beneficiando, portanto, os interesses de Portugal.
Defendiam assim que devíamos evoluir do modelo passado em que os americanos pagavam uma compensação financeira pela disponibilização das facilidades, para uma nova fase mais equilibrada e madura e baseada numa cooperação construtiva e frutuosa, como parceiros em pé de igualdade.
Uma boa parte dos nossos trabalhos foi assim dedicada à construção de um novo quadro em que através de programas de cooperação militar, económica, científica, educacional, etc., pudéssemos obter benefícios que constituíssem uma justa compensação beneficiando ambas as partes.
Todos os sectores, especialmente os relevantes para os Açores, foram minuciosamente escrutinados: fornecimentos militares, melhorias no Porto da Praia da Vitória, combate ao escaravelho japonês, fornecimento de um navio hidrográfico, programas de cooperação científica, programas de bolsas, etc., etc.
Ao mesmo tempo previmos o estabelecimento de mecanismos institucionais que permitissem o impulso político e o acompanhamento da cooperação emergente do Acordo e dos seus frutos, bem como a criação de novas oportunidades.
O Acordo de Cooperação e Defesa preconiza encontros anuais dos Ministros dos Negócios Estanheiros bem como o estabelecimento de uma Comissão Bilateral Permanente, que reúne todos os 6 meses, alternadamente, nos EUA e em Portugal.
É este esquema que atualmente prevalece e é neste contexto que a FLAD, com a sua atividade e criatividade, é tão importante.
Ambos os países, Portugal e os EUA, reconhecem a importância dos laços bilaterais e dos interesses comuns que têm sido a razão de ser de uma relação sólida e duradoura que se têm mantido desde a independência dos EUA e que levou a que Portugal fosse o terceiro país a reconhecê-la, em 15 de fevereiro de 1783, depois da França e dos Países Baixos e antes da Inglaterra, nosso velho aliado.
Permitam-me que cite a propósito a fortíssima relação pessoal entre o Abade Correia da Serra e o 3º Presidente dos EUA, Thomas Jefferson, um dos signatários e redator da Declaração de Independência, considerado com um dos pais fundadores da Nação Americana.
O Abade Correia da Serra, ilustre botanista e grande intelectual, por quem Jefferson nutria uma grande amizade e admiração foi um hóspede habitual da residência de Jefferson em Monticello.
Permitam-me que mencione ainda o facto do Consulado dos EUA, em Ponta Delgada, hoje aqui tão bem representado pela distinta diplomata Doutora Rita Rico, ter sido o primeiro consulado instituído pelos EUA no estrangeiro, que permaneceu em funcionamento contínuo até aos dias de hoje. Espero que assim continue por muitos mais anos.
Mais recentemente na longa ligação entre os EUA e Portugal, não foram poucas as ocasiões em que nos apoiámos mutuamente.
Em 1973, aquando da guerra de Yom Kippur, apoiámos a ponte aérea para o Médio Oriente numa conjuntura dramática e critica em que outros países aliados dos EUA se recusaram a fazê-lo.
Mais tarde aquando das Guerras do Golfo, os Açores desempenharam mais uma vez um papel importantíssimo.
Permitam-me que vos traga o meu testemunho pessoal.
Fui Embaixador nas Nações Unidas de 1992 a 1996 e em Washington de 2002 a 2006.
O apoio mútuo entre os 2 países foi sempre uma constante da nossa política externa, tendo-se revelado nomeadamente nas votações nas Nações Unidas e num apoio ativo sempre que surgiram incertezas quanto à eleição dos EUA para órgãos em relação aos quais era nossa convicção que a participação americana era essencial para os interesses da paz e para um funcionamento eficaz da organização. Lembro apenas dois casos, o do Conselho dos Direitos Humanos das NU e do Conselho Executivo da Unesco em que a nossa ajuda foi especialmente solicitada pelos EUA e facultada por nós, permitindo aos EUA a sua eleição sem problemas.
Por outro lado, o apoio dos EUA, com o seu peso e influência, foi importante para a eleição do Professor Freitas do Amaral para a Presidência da 50ª AGNU.
Recordo um almoço na minha residência oficial em Nova Iorque com a Srª Madeleine Allbright e o Professor Freitas do Amaral em que no final da refeição ela me chama à parte para me dizer “we have the man”.
Da mesma forma o apoio dos EUA à candidatura de António Guterres ao cargo de Alto Comissário das NU para os Refugiados, que ele desempenhou durante 10 anos e que abriu mais tarde o caminho à sua eleição para SG das NU, foi decisivo.
Eu era na altura Embaixador em Washington e os concorrentes de Guterres incluíam alguns pesos pesados da política mundial. Foi um processo complexo e difícil, mas que acabou por uma decisão dos EUA favorável a Guterres que determinou a sua nomeação.
Pesaram, naturalmente, as qualidades e a reputação do candidato, mas também a boa relação de Durão Barroso com o Presidente George W Bush, a excelência das nossas relações com os americanos, o apoio que lhes demos no caso do Conselho Executivo da Unesco, e, devo dizer ainda, a alta qualidade da nossa diplomacia.
Atualmente com a degradação da situação internacional, as incertezas e ameaças a que temos que fazer face, os Açores, tal como ficou bem patente nas intervenções feitas nesta Conferência, vieram ganhar uma acrescida relevância e valor geoestratégico.
É absolutamente essencial que o Atlântico Norte continue a ser uma zona de paz e que a sua segurança não possa ser posta em causa.
Infelizmente as incertezas são muitas e não se compadecem com uma passividade da nossa parte e da dos nossos aliados ou com políticas erráticas que só podem fragmentar e enfraquecer a nossa força coletiva.
A UE, em que estamos integrados e que constitui a primeira prioridade da nossa política externa, com impacto em praticamente todos os aspetos da governação do nosso país, encontra-se perante novos desafios, eu diria mesmo, perante um teste existencial, à sua capacidade de defesa própria e de garantir a sua própria segurança e de preservar a sua unidade de ação.
E apesar dos esforços desenvolvidos pelos países europeus para superar as presentes incapacidades e fragilidades e possibilitar uma ajuda eficaz à Ucrânia, os EUA continuam a ser, não tenhamos dúvidas, um parceiro indispensável na NATO, a qual permanece a garantia de uma superioridade militar que constitui o principal impedimento para as ambições expansionistas da Rússia.
A UE e a NATO e a relação transatlântica continuam a ser os vetores fundamentais para as nossas políticas.
Os desafios que se apresentam à UE são enormes e as respostas hesitantes e demoradas, refletindo um processo de tomada de decisão próprio dos regimes democráticos, sempre mais lento que nos regimes autocráticos e a diversidade dos 27 países membros.
Precisamos de atuar rápida e decisivamente, com base numa liderança forte, numa unidade de propósitos que possa gerar uma complementaridade de esforços e uma ação decidida.
Precisamos de falar a uma só voz e fortalecer a nossa cooperação mútua, desejavelmente, porventura, no quadro de um federalismo pragmático conforme sugerido por Mario Draghi.
Precisamos de manter a nossa coesão e o ânimo e vigor das nossas sociedades, contrariando as tentativas, vindas de fora ou de dentro, no sentido de desestabilizar as nossas instituições e a nossa vontade coletiva.
Temos imperativamente que aumentar exponencialmente o poder militar da UE, a sua segurança económica e o seu peso político.
São áreas complementares que se reforçam mutuamente. E que estão ao nosso alcance se houver vontade política sustentada pelo apoio das nossas populações.
Como já referi os Açores com a sua localização geográfica tem um papel a desempenhar que ganha relevo e relevância no presente contexto.
Temos, nós próprios, Portugueses, que desenvolver esforços no sentido de reforçar os meios e equipamentos militares na Região, que necessita mais do que nunca, de infraestruturas modernas e adequadas e de recursos humanos qualificados para que possamos desempenhar as nossas responsabilidades.
As capacidades civis também têm que ser potenciadas e valorizadas nomeadamente no campo do espaço. Já foi aqui referido o estabelecimento da Agência Espacial Portuguesa na Ilha de Santa Maria e o desenvolvimento de um centro de lançamentos espaciais para colocação de satélites
O papel dos Açores é importante também no campo da proteção ambiental e do impacto das alterações climáticas no ecossistema oceânico e no campo da investigação cientifica. Iniciativas como Atlantic Centre e o Air Centre que visam congregar os países ribeirinhos do Atlântico numa cooperação norte-sul e sul-norte devem ser apoiadas e aprofundadas. Precisamos de ter do nosso lado os países do Atlântico Sul.
Reflexões como as da presente Conferência são mais do que úteis, são necessárias e o exemplo da FLAD deve encorajar iniciativas semelhantes por outras instituições da sociedade civil.
Mas é necessário que a iniciativa principal parta do Governo da República responsável pela defesa e negócios estrangeiros.
É necessário que em conjunto com os comandos militares e em consulta efetiva com as Regiões Autónomas seja desenhada uma estratégia e um plano de ação e prioridades relativamente às medidas que se impõe sejam tomadas quanto ao reforço das Forças Armadas na Região. Cito como exemplo a defesa aérea, o sistema de radares, os paióis e instalações para a manutenção e reparação de aviões, problemas, eles todos, interligados e de grande tecnicidade.
É importante também que sejam promovidos esforços diplomáticos no sentido de discutir com as instâncias da NATO e com os nossos parceiros da UE o que devemos e podemos fazer para conjugar os nossos esforços e potenciarmos e valorizarmos as capacidades militares e civis nos Açores para benefício coletivo.
Neste contexto saúdo a iniciativa da Presidência Dinamarquesa do Conselho Europeu de promover uma visita de trabalho à Região, dos embaixadores da UE acreditados em Lisboa, que acaba de ter lugar nos dias 15 e 16 deste mês.
Esta visita segue-se a outra realizada em abril de 2023 por iniciativa da Presidência sueca.
Estas visitas são a expressão do interesse dos nossos parceiros pelos problemas e potencialidades dos Açores.
Estamos no mesmo barco e precisamos de conjugar os nossos esforços para reforçar as nossas capacidades, a nossa defesa coletiva e asseguramos o nosso futuro.
O tempo pressiona e é tempo de agir.
Obrigado mais uma vez à FLAD e ao seu Presidente, Dr. Nuno Morais Sarmento, pela presente iniciativa.
Obrigado também a todos os participantes pelas suas intervenções e os seus pontos de vista, todas de elevada qualidade e interesse.
Uma palavra especial aos meus excelentíssimos colegas e queridos amigos, Embaixadora Ana Paula Zacarias, Diretora do Instituto Diplomático e Embaixador Paulo Viseu Pinheiro, Representante Permanente na NATO em Bruxelas.
Uma saudação especial, finalmente, para o Presidente do Governo Regional, Dr. José Manuel Bolieiro.
Bem hajam todos, muito obrigado
Pedro Catarino
Praia da Vitória, 19 de setembro de 2025