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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO

 

 

 

ENTREVISTA CONCEDIDA AO JORNAL “DIÁRIO INSULAR”, EM 10 DE JUNHO DE 2021

 

 

1 - Assinala-se hoje o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. Representa a República nos Açores há vários anos. Como analisa o portuguesismo dos açorianos e as formas como ele se expressa?

 

Os meus 10 anos no desempenho do cargo de Representante da República para os Açores e a minha convivência com a diáspora açoriana quando representei Portugal nos EUA, permitem-me dar testemunho do profundo portuguesismo e do enorme orgulho que os açorianos têm no seu país e que os levou, em mais do que uma ocasião da sua história, a sacrificarem os seus bens e as suas vidas para defenderem o que entendiam ser o caminho certo para Portugal.

Ainda há poucos dias um açoriano nascido numa pequena aldeia do Pico, mas vivendo na Terceira me dizia: “amo de forma compulsiva a minha aldeia, mas também o Pico e naturalmente os Açores, mas o dia em que precisasse de apresentar um passaporte para entrar em Portugal seria para mim o dia mais triste da minha vida”.

Permitam-me ainda que recorde aqui que, quando Jim Costa, residente na Califórnia e descendente de açorianos, foi pela primeira vez eleito para o Congresso norte-americano, ofereci na Embaixada uma receção na qual participaram umas 3 centenas dos seus apoiantes e constituintes que vieram expressamente a Washington, muitos deles descendentes de açorianos.

Esteve presente a mãe de Jim Costa, uma Senhora açoriana de idade avançada que se deslocava numa cadeira de rodas. Disse-me que estava emocionada por ser recebida na Embaixada de Portugal, seu bem-amado país, numa cerimónia em honra do seu filho. E acrescentou: “foi para mim um grande orgulho e um dos dias mais felizes da minha vida”.

 

2 - Como interpreta o papel do Representante da República na Autonomia, tendo presente que tanto agora, como na anterior versão de Ministro da República, a continuação do cargo é questionada pela maioria dos partidos políticos parlamentares?

 

Há que reconhecer, e isso terá alguma influência nas posições de certos sectores políticos açorianos, que inicialmente, quando o regime autonómico foi estabelecido pela Constituição em 1976, havia competências concorrentes entre o Governo Regional e o Ministro da República e entre a Assembleia Legislativa e a Assembleia da República que foram evoluindo através de sucessivas revisões constitucionais que vieram reforçar o grau de autonomia.

Não quer isto dizer que o objetivo da estrutura existente não tivesse em vista a boa governação da Região, apenas que o grau de autonomia tinha limitações que os açorianos consideravam, justificadamente, que era tempo de serem removidas.

Atualmente o Representante da República, para além das suas funções de representação, de carácter sobretudo simbólico, em que procura dignificar e prestigiar a Região e reforçar os laços entre as diferentes partes do todo nacional, tem funções bem definidas relativas à fiscalização da constitucionalidade e legalidade dos diplomas emanados das instâncias regionais.

As competências do Representante da República hoje não concorrem com as dos órgãos de governo próprio da Região, não interferem, nem limitam os poderes destes últimos tal como definidos pela Constituição.

Essas competências integram-se num quadro jurídico definido pela Constituição procurando conciliar o princípio de um Estado unitário com o regime autonómico da Região.

Vivemos afortunadamente num Estado democrático em que as instituições funcionam com pesos e contrapesos, que garantem uma governação que não contrarie os direitos fundamentais dos cidadãos e que prossiga o bem comum no respeito pela Constituição e pelas leis em geral.

O Representante da República não é, aliás, o único órgão emanado da República com funções de fiscalização ou de outra natureza. A Secção Regional do Tribunal de Contas, por exemplo, desempenha também um papel importante no controle da governação da Região, sem que isso interfira na autonomia.

São ambos órgãos independentes que só contribuem para uma legitimação e reforço da autonomia no quadro da Constituição.

 

3 - Em vários anos de estudos, os parlamentares regionais ainda não encontram – que seja pública – uma solução na qual se revejam para substituir o Representante da República. Donde poderá, em sua opinião, advir tal dificuldade?

 

Sem querer entrar no debate em curso sobre a questão do Representante da República, julgo que é importante salvaguardarmos a dignidade do Estado e das suas instituições e a dignidade da Região e dos seus órgãos de governo próprio, dentro dos princípios democráticos que nos regem. Dito isto, a figura do Representante da República faz parte da arquitetura política da Região, definida pela Constituição. É matéria da competência da Assembleia da República e só poderá ser alterada por uma revisão constitucional. É essencial, na minha opinião, que qualquer alteração seja baseada numa racionalidade muito bem fundamentada, que fique rigorosamente preservada a independência do cargo e que sejam salvaguardados os interesses do Estado e da Região e respeitados os princípios consignados na Constituição.

 

4 - Tem ideia de como reage o Povo dos Açores – o povo mesmo…. – à instituição Representante da República?

 

Nunca senti da parte do povo dos Açores – o povo mesmo – hostilidade ou desrespeito pela minha pessoa ou pelo cargo que tenho a honra de desempenhar. Pelo contrário. Devo sublinhar que olho para as minhas funções como um serviço público prestado aos Açores, à autonomia da Região e aos açorianos. O meu propósito e o meu empenho é cumprir a minha missão e ajudar naquilo que puder.

Permitam-me que dê eco ao testemunho de um açoriano residente na Terceira que fez no passado mês de dezembro a bonita idade de 100 anos, o Senhor Armando Amaral, e que num artigo publicado no jornal do Faial “Tribuna das Ilhas” escreveu: “embora a minha opinião pouco conte para tão importante assunto (a extinção do cargo de Representante da República) não me tenho cansado de defender a sua manutenção, convicto que estou que a sua existência é até motivo honroso para os Açores e para a Madeira”, fim de citação.

Perante esta tão generosa afirmação gostaria de, pela minha parte, proclamar a grande honra que sinto no desempenho das minhas funções e em estar ao serviço do nosso país e dos Açores.

 

5 - A recente operação nacional de retoma da normalidade percentual da vacinação nos Açores, que inclui a vacinação das ilhas sem hospital, envolve militares e toma o nome de “Periferia” – não Ultraperiferia”, como está escrito nos tratados europeus. Periferia é uma designação de má memória para os açorianos. Estaremos perante um descuido por desconhecimento da História ou perante uma afirmação de qualquer coisa por parte de Lisboa?

 

A operação nacional da vacinação dos Açores é um bom exemplo de uma cooperação frutífera e do espírito de solidariedade entre as diferentes partes do nosso país com especial relevo para as Forças Armadas. Acho que a vacinação massiva das ilhas sem hospital é uma excelente iniciativa que tem uma justificação compreensível e que só devemos louvar e aplaudir. A designação que lhe foi dada só pode ser vista certamente no âmbito do espírito de inclusão de todos, que presidiu aquela iniciativa de forma a assegurar que ninguém se sinta esquecido ou desprotegido e nesta medida haver uma mobilização de meios que atenuem o afastamento e a limitação de recursos de partes do território nacional.