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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO

 

 

 

 

Conferência do Representante da República, Embaixador Pedro Catarino, aos Auditores do Curso

do Instituto de Defesa Nacional em visita à Região Autónoma dos Açores

7 de Abril de 2014

 

 

 

Gostaria, em primeiro lugar, de dar as boas vindas a todos os auditores membros do presente curso do IDN e de fazer votos para que a sua visita de estudo aos Açores seja agradável e frutuosa.

 

Uma palavra especial de boas vindas ao senhor General Viana, com quem tive o gosto de trabalhar em funções anteriores. É sempre um prazer vê-lo e é com alegria que o acolho neste Solar já pela segunda vez desde que está à frente do IDN.

 

Uma saudação especial, também, se me permitem, ao meu distinto colega e amigo Embaixador Cruz Almeida e ao Dr. Caldeirinha.

 

Vou fazer-vos hoje uma breve exposição, genérica, sobre as minhas funções no contexto da autonomia da Região Autónoma dos Açores.

 

Estarei depois à disposição de todos para quaisquer perguntas que me queiram dirigir.

 

Deixem-me dizer que a interação entre as gentes e as instituições do Continente e da Região é extremamente importante para que se fortaleça o respetivo conhecimento mútuo e se reforcem os laços que nos ligam a todos, portugueses que somos.

 

Sou um diplomata de carreira, nesta altura Embaixador Jubilado e encontro-me nas presentes funções há exatamente três anos.

 

Fui nomeado em 2011 pelo Presidente da República, ouvido o Governo, para um mandato de cinco anos, coincidente com o do Presidente, e dependo exclusivamente da sua confiança.

 

Sou o nono incumbente das funções de Representante da República, que inicialmente era designado por Ministro da República.

 

O lugar foi criado pela Constituição Portuguesa aprovada em 1976. Nos primeiros anos foi desempenhado por oficiais generais (os quatro primeiros incumbentes), depois por um professor de Direito, seguidamente por juízes do Supremo Tribunal de Justiça (três incumbentes) e agora, pela primeira vez, por um diplomata.

 

Tenho a minha residência oficial e o meu gabinete nesta cidade, Angra do Heroísmo, embora tenha igualmente uma residência em Ponta Delgada e um polo em Lisboa, onde me desloco com frequência.

 

O lugar de Ministro da República foi criado, como disse, pela Constituição Portuguesa de 1976, que veio estabelecer um regime de autonomia política e administrativa para as Regiões dos Açores e da Madeira.

 

Este regime fundamenta-se, e estou a citar a Constituição, nas características geográficas, económicas, sociais e culturais destas duas regiões e nas históricas aspirações autonomistas das respetivas populações.

 

A autonomia das regiões, sempre segundo a Constituição, visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento económico-social e a promoção e defesa dos interesses regionais bem como o reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os portugueses.

 

A Constituição sublinha ainda que a autonomia regional não afeta a integridade da soberania do Estado e que deve ser exercida no quadro constitucional.

 

O estabelecimento do regime autonómico constitui um marco importante da História moderna dos Açores.

 

A autonomia tem vindo a ser reforçada e densificada em sucessivas revisões constitucionais, especificamente em 1982, 1989, 1997 e 2004.

 

O sistema instaurado em 1976 previu dois órgãos de Governo próprio das Regiões Autónomas – a Assembleia Regional, que passou mais tarde a ser designada por Assembleia Legislativa, e o Governo Regional – cometendo-lhes respetivamente o exercício do poder legislativo e do poder executivo regionais.

 

Foi consagrado um sistema de governo parlamentar, prevendo expressamente a responsabilidade política do Governo Regional perante a Assembleia Legislativa Regional (eleita por sufrágio universal). Foi igualmente estabelecido que os órgãos das Regiões Autónomas só podiam ser dissolvidos ou suspensos pelo Presidente da República, pela prática de atos contrários à Constituição.

 

A soberania da República era “especialmente representada” por um Ministro da República que acumulava competências políticas, ministeriais e administrativas e funções vicariantes do Chefe do Estado.

 

Era nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Primeiro Ministro, ouvido o Conselho de Estado (inicialmente o Conselho da Revolução).

 

O Ministro da República também desempenhava um papel de controlo do sistema de governo regional e dos atos dos seus órgãos. Participava então nas reuniões semanais do Conselho de Ministros.

 

Este quadro, que configurava de certo modo um sistema de tutela da República sobre os órgãos de governo próprio regionais, deu origem ao chamado “contencioso das autonomias” que marcou os primeiros anos do novo regime autonómico.

 

As posteriores revisões constitucionais, a que me referi, vieram procurar, com um grau de sucesso variável, reduzir o âmbito da conflitualidade prevalecente.

 

Vejamos, de uma forma muito sucinta, os principais pontos da evolução do regime autonómico, operada pelas revisões constitucionais.

 

Assim em 1982 a Constituição passou a consagrar o poder tributário próprio das regiões, alargou o leque dos poderes de participação e introduziu a noção de “leis gerais da República”.

 

A revisão constitucional de 1989 veio, por um lado, introduzir um mecanismo de flexibilização, permitindo que a Assembleia da República concedesse autorizações legislativas às Assembleias Legislativas Regionais para que estas, em matéria de interesse específico das Regiões, legislassem sem vinculação às leis gerais da República.

 

Por outro lado, as Assembleias Legislativas Regionais, no âmbito da sua competência legislativa, passaram a poder desenvolver as leis de bases.

A revisão de 1997 veio dar lugar a um novo alargamento dos poderes dos órgãos de governo próprio.

Estabeleceu-se a reserva de competência dos governos regionais em matéria da sua organização e funcionamento.

Consagrou-se o referendo regional.

Determinou-se que a dissolução dos órgãos de governo regional fosse limitada à prática de atos graves contrários à Constituição.

 

Esta revisão de 1997 veio igualmente operar uma decisiva alteração dos poderes constitucionais do Ministro da República, nomeadamente no que concerne às funções e competência.

Aproximou o cargo do Presidente da República, os poderes governamentais foram suprimidos, deixando de ter assento no Conselho de Ministros e as competências administrativas que antes lhe eram atribuídas constitucionalmente passaram a depender de delegação do Governo, apenas podendo ser exercidas “de forma não permanente”.

 

Também as alterações atinentes ao poder legislativo foram significativas.

Antes desta revisão as regiões só podiam legislar sobre matérias do seu interesse específico, não reservadas à competência própria dos órgãos de soberania e com respeito das leis gerais da República.

Estes parâmetros foram alterados substancialmente alargando a competência legislativa regional, que passou a estar limitada apenas pelos princípios fundamentais das leis gerais da República ou quando estas explicitamente o declarassem ou em relação às matérias reservadas à competência própria dos órgãos de soberania.

 

A revisão de 2004 veio finalmente introduzir uma verdadeira revolução do governo regional, alterando o âmbito das competências dos órgãos de governo próprio, a organização do sistema político regional e o enquadramento das relações entre as regiões autónomas e a República.

Foram eliminados os conceitos de “interesse específico” e “lei geral da República”.

O conceito chave passou a ser “o âmbito regional”.

A Região passou a poder legislar no âmbito regional, em qualquer das matérias enunciadas no Estatuto Político Administrativo e que não estejam reservadas aos órgãos de soberania.

As regiões recuperaram ainda a faculdade de transpor diretivas comunitárias.

O regime de dissolução dos órgãos de governo próprio foi alterado, consagrando-se o poder do Presidente da República de dissolução da Assembleia Legislativa num regime semelhante ao da Assembleia da República.

A dissolução da Assembleia Legislativa acarreta a dissolução do Governo Regional, reforçando-se a responsabilidade política exclusiva perante a Assembleia Legislativa e a componente parlamentar do sistema político regional.

Foi consagrada a possibilidade de delegação de competências do Governo da República no Governo Regional bem como o estabelecimento de outras formas de cooperação.

Foi criado o cargo de Representante da República que substituiu o de Ministro da República com competências políticas e responsável exclusivamente perante o Presidente da República.

 

Já vimos que o então Ministro da República superentendia nas funções administrativas exercidas pelo Estado na região e coordenava-as com as exercidas pela própria região (em caso de dissolução ou suspensão dos órgãos regionais era o próprio Ministro da República que deveria assegurar o governo da região).

Esta função de órgão de controlo suscitou sempre a maior resistência e críticas por parte da generalidade da população açoriana.

A revisão de 1997 tentou sanar esta conflitualidade retirando ao Ministro da República uma boa parte do seu estatuto e competências ministeriais.

 

Mas foi a revisão de 2004 que veio alterar o sistema, criando a figura de Representante da República.

 

- Passou a ser, como disse, nomeado e exonerado pelo Presidente da República, ouvido o Governo, desaparecendo a iniciativa governamental em matéria de nomeação e exoneração;

 

- foram totalmente suprimidos os poderes administrativos do anterior Ministro da República, passando a verificar-se o relacionamento direto entre as administrações regionais, estaduais e europeias.

 

O Representante da República é atualmente configurado como titular de cargo político, residente na Região, com competências no funcionamento do sistema de governo regional e com funções de representação do Estado e controle normativo dos atos legislativos dos órgãos de Governo Regional.

 

O Representante da República tem precedência protocolar sobre todas as entidades regionais e nacionais nas cerimónias civis e militares que tenham lugar na respetiva região, que cede quando estiverem presentes o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro Ministro.

 

As competências do Representante da República diretamente conferidas pela Constituição situam-se na função política do Estado e dividem-se em dois grupos: competências políticas e competências de controle normativo  dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas.

 

São competências políticas:

 

- nomear o Presidente do Governo Regional, tendo em conta os resultados eleitorais e ouvidos os partidos representados na Assembleia Legislativa;

 

- nomear e exonerar os restantes membros do Governo Regional, sob proposta do respetivo presidente (o Governo Regional, a partir da revisão constitucional de 2004, passou a tomar posse perante a Assembleia Legislativa da Região Autónoma);

 

- vetar os decretos da Assembleia Legislativa da Região Autónoma, solicitando nova apreciação em mensagem fundamentada;

 

- recusar a assinatura dos decretos do Governo Regional, comunicando por escrito o sentido dessa recusa;

 

São competências de controlo normativo:

 

- assinar e mandar publicar no Diário da República os decretos legislativos regionais e os decretos regulamentares regionais;

 

- requerer a fiscalização preventiva da constitucionalidade de qualquer norma constante de decreto legislativo regional que lhe tenha sido enviado para assinatura;

 

- requerer a fiscalização sucessiva abstrata e a consequente declaração de inconstitucionalidade ou ilegalidade com força obrigatória geral de qualquer norma jurídica, com fundamento em “violação dos direitos das regiões autónomas” ou do Estatuto;

 

Além das competências constitucionais, a lei atribui ao Representante da República outras competências, que se repartem, essencialmente, pelo domínio da administração eleitoral e na participação em órgãos consultivos.

 

Assim, são-lhe atribuídas competências quanto à organização e funcionamento dos processos eleitorais relativos ao:

 

- Presidente da República;

- Assembleia da República;

- Autarquias locais;

- Parlamento Europeu;

- Referendo;

- Referendo local;

- Recenseamento eleitoral.

 

O Representante da República participa ainda nos seguintes órgãos consultivos:

 

- Conselho Superior de Defesa Nacional, presidido pelo Presidente da República;

 

- Conselho Superior de Segurança Interna, presidido pelo Primeiro Ministro.

 

O Representante da República tem ainda competências administrativas e de representação dos interesses do Estado nas Regiões Autónomas, nomeadamente para assegurar a execução da declaração do estado de sítio e do estado de emergência.

 

Podemos dizer que os Açores gozam hoje de uma considerável e razoável autonomia, ao mesmo tempo assegurada e delimitada pelo quadro legal definido pela Constituição da República, Estatuto Político-Administrativo e Lei das Finanças das Regiões Autónomas.

 

Essa autonomia estende-se aos planos político, legislativo, administrativo, financeiro e patrimonial.

 

É-lhes por outro lado reconhecido o direito de participação na definição das políticas nacionais e sempre que os respetivos interesses estejam em jogo, bem como de participação nas negociações internacionais e no processo de construção europeia quando estejam em causa matérias que lhes digam respeito.

 

O processo autonómico é um processo que se tem vindo a amadurecer e naturalmente evoluirá no futuro conforme as aspirações dos açorianos de forma gradual e dinâmica, conforme a linguagem do Estatuto e tendo em conta as suas capacidades próprias.

 

Uma palavra final sobre a autonomia financeira, cujo quadro é estabelecido pela lei das Finanças Regionais em conformidade com a Constituição da República e o Estatuto Político Administrativo e cujos aspetos de detalhe poderão ser melhor esclarecidos nos vossos contatos com o Governo Regional.

 

Tendo em conta o princípio constitucional da solidariedade, expressão da unidade do Estado, as Regiões Autónomas arrecadam as receitas fiscais nelas cobradas ou geradas não sendo contribuintes líquidos para o Orçamento do Estado.

 

Por outro lado os Açores recebem anualmente transferências financeiras (em 2013 foram 318 M € e em 2014, 251 M €) do Estado português como compensação pelos custos das desigualdades derivadas da insularidade.

 

O Orçamento do Estado prevê ainda, anualmente, dotações para indemnizações compensatórias a atribuir a empresas que prestam serviço público nos Açores (SATA Air Açores, SATA Internacional, TAP), bem como à RTP/Açores, à Universidade dos Açores e relativamente à convergência tarifária de eletricidade.

 

Para além das verbas transferidas, a vários títulos, para cada uma das Regiões Autónomas, o Estado assegura ainda, através das verbas do Orçamento do Estado, todas as funções de soberania (Forças Armadas, Justiça, Segurança e Negócios Estrangeiros).