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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO


Discurso de Sua Excelência o Representante da República, Embaixador Pedro Catarino, por ocasião do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas



 10 de junho de 2013


 Distintos convidados

 Caros e caras compatriotas

Obrigado por terem aceite o meu convite para esta celebração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas.

Ela tem lugar neste dia emblemático para todos os portugueses, onde quer que eles se encontrem no mundo, assinalando o aniversário da morte do nosso grande poeta que cantou a epopeia do povo português através da História.
É uma ocasião de júbilo e de orgulho, em que todos nos devemos unir e olharmos para o futuro com toda a força do nosso ânimo e com a firme determinação de construirmos um futuro cada vez melhor.

Não são tempos fáceis os de hoje. Os desafios que nos confrontam são complexos e transcendem a esfera regional e nacional.
Os problemas da Europa e do Mundo afetam-nos de uma forma incontornável. A interdependência e a globalização são fatores de dois gumes, que, se nos trazem benefícios e oportunidades, criam-nos ao mesmo tempo novos reptos e novos condicionalismos, para os quais nos temos de adaptar.

Esta celebração do Dia de Portugal tem lugar depois do Dia dos Açores, que este ano se realizou no dia 20 de Maio e do Dia da Europa, a 9 de Maio.

Açores, Portugal, Europa - são estas as referências fundamentais onde todos os Açorianos devem procurar as suas raízes culturais e o seu passado histórico, as coordenadas que viabilizam o seu desenvolvimento económico-social e o seu sistema autonómico e os pilares em que deverá ser construído o seu futuro.
Devemos todos, portugueses que somos, ter bem consciência deste enquadramento e tentar harmonizar as nossas ações para, juntos, conseguirmos ultrapassar os muitos e graves desafios que se nos deparam.

Tenho defendido, noutras ocasiões, um espirito de diálogo e de cooperação e concertação entre os órgãos de governo da República e os órgãos de governo próprio da Região Autónoma dos Açores e um sistema de consultas contínuas, efetivas e transversais.
É este o espírito que integra o nosso modelo constitucional que atribui às Regiões Autónomas, para além de poderes de condução dos assuntos respeitantes à sua própria governação, largos poderes de participação na definição das políticas nacionais que relevam dos seus interesses.

Permitam-me que, ao mesmo tempo, sublinhe que os órgãos de soberania da República são a expressão democrática da vontade do povo português no seu todo.
São pois órgãos dos Açorianos também, em que estes participam, quer como eleitores, quer como eleitos, por vezes ao nível mais elevado, como tem acontecido no passado.
A República, não o esqueçamos, é de todos os Portugueses, em que se incluem obviamente os Açorianos.

Por isso, sinto-me sensibilizado e honrado com a vossa presença hoje aqui, num elevado exemplo de participação cívica, valorizando os símbolos da vossa identidade e dignidade.

A força de um povo e de um país deriva não só da sua dimensão e recursos e desenvolvimento económico, cultural e científico mas também da força das suas instituições e da sua coesão.
Um país com instituições fortes é um país democraticamente mais seguro, mais previsível e mais justo.
O respeito mútuo, a correção e a cordialidade na convivência política só podem contribuir para uma melhor qualidade de vida, um maior grau de desenvolvimento humano, uma maior coesão social e um melhor funcionamento da democracia. São, por outro lado, sinais do lastro cultural e patriótico de um povo.

O exercício dos cargos públicos deve ser dignificado, ao mesmo tempo que os respetivos padrões de exigência e ética devem ser os mais elevados.

É dentro deste espírito que dirijo à Senhora Presidente da Assembleia Legislativa e a todos os senhores deputados regionais, ao Senhor Presidente e membros do Governo Regional, bem como às autoridades autárquicas regionais, as minhas mais cordiais saudações e os meus agradecimentos pela sua boa cooperação institucional e impecável correção que sempre me foi dispensada para o desempenho da minha missão.
A todos desejo os maiores êxitos no desempenho das suas funções e a todos ofereço os meus préstimos em tudo aquilo que, no âmbito das minhas responsabilidades, puder fazer pelos Açores e pelos Açorianos.

Desejava também saudar todas as forças armadas e forças de segurança que prestam serviço na Região, a quem manifesto o meu apreço e reconhecimento pela ação extremamente importante que desempenham.

Saúdo igualmente os magistrados judiciais e do Ministério Público e os funcionários judiciais, bem como todo o funcionalismo do Estado a desempenhar funções na Região.
Todos têm um papel muito relevante para o sucesso e sustentabilidade da autonomia regional, para o bem-estar dos Açorianos e para o prestígio de Portugal e todos são merecedores do nosso reconhecimento.

Este ano a feliz coincidência desta nossa celebração com a realização na Ilha Terceira do Congresso Mundial de Folclore dá-me a particular alegria de acolher hoje aqui os participantes no Congresso, que incluem representantes vindos do Brasil, Canadá, EUA, Cabo Verde e Angola.
A todos saúdo fraternalmente e manifesto o meu apreço pelo seu bom trabalho e pelo seu contributo para se manterem vivas as tradições culturais de raiz açoriana e portuguesa e para o reforço dos laços entre as comunidades lusófonas.
Quero agradecer à Comissão Organizadora a vossa participação nesta celebração e a atuação dos grupos folclóricos que vamos ter o prazer de aplaudir.

Permitam-me que aproveite esta circunstância feliz para sublinhar a relevância decisiva da cultura, simultaneamente, como fator de identidade pessoal e comunitária (1), de inclusão e agregação sociais (2) e, em última análise, de desenvolvimento económico equilibrado e sustentável (3).

Depois de em 2011, em diferentes ocasiões, ter centrado a minha atenção na importância da nossa coesão nacional, e de em 2012 ter enaltecido a qualidade da democracia açoriana – das suas instituições e vivências –, gostaria agora de destacar o papel da cultura como fator de crescimento socioeconómico e, portanto, também como elemento fundamental para a superação da crise profunda que o País como um todo atravessa.
Quantas vezes, em momentos de maiores dificuldades económicas, somos tentados a gerir pragmaticamente os recursos escassos – sejam eles públicos ou privados – numa perspetiva utilitarista, procurando obter resultados mais imediatos e palpáveis, e olhando a cultura como um “luxo” ao qual nos podemos dar. A cultura e os bens culturais – em todas as suas manifestações, desde a cultura popular à chamada cultura erudita, passando pelas artes e pelas ciências – são então colocados num segundo plano, como algo que pode esperar por melhores dias. No primeiro plano ficam, pois, as questões da produtividade, da competitividade, do empreendedorismo, da inovação, etc.
E, não obstante, nas suas manifestações mais díspares, a cultura garante uma parte significativa das forças necessárias ao desejado progresso económico e social. Além disso constitui, ela própria – através das chamadas “indústrias culturais” ou “indústrias criativas” –, uma importante oportunidade de negócio e de desenvolvimento económico.

 1. Quanto à primeira destas duas vertentes – que é aquela que mais interessa enfatizar aqui, hoje que se comemora o dia de Portugal e da Nação portuguesa, enquanto comunidade histórica de cultura – sublinhe-se, desde logo, a importância da cultura como fator identitário, quer na perspetiva do homem individualmente considerado, quer na perspetiva da comunidade em que se integra.

Ao longo do percurso da humanidade foram vários os filósofos que conceberam e muitos os políticos que trataram o homem como um ser abstrato, igual em natureza aos demais homens apenas porque todos irmanados pelo gozo da razão ou porque todos envolvidos pela inexorável marcha da história – de uma história com um sentido predefinido. De um modo ou de outro, este homem abstrato acaba inevitavelmente despersonalizado, desumanizado, simples peça de uma engrenagem político-social que o ultrapassa.
Em contrapartida, só o respeito pela cultura e pelas tradições culturais de um povo permite ver o homem como ele é: um ser histórica e comunitariamente situado; um ser-com-os-outros, identificado pelas suas crenças religiosas, raízes geográficas, língua, costumes e tradições, convicções ideológicas, gostos estéticos, preferências e sentimentos pessoais. Enfim, um ser marcado de forma indelével pelo conjunto de todas as suas mundividências.

O facto de as sociedades abertas do mundo ocidental partilharem hoje alguns valores culturais comuns e de, em virtude da força avassaladora da globalização, consumirem, num certo nível (superficial), produtos culturais de forma indiferenciada, não altera a realidade descrita.
Sem qualquer paradoxo, a uma certa homogeneização cultural contrapõe-se uma fortíssima tendência de reencontro de cada um com as suas raízes culturais – com o multiculturalismo, ou com a interculturalidade, daí resultantes – como modo de as pessoas descobrirem o seu lugar no mundo em que vivem.
A metáfora do “cidadão do mundo” – tantas vezes invocada para simbolizar a amplitude de horizontes do homem de hoje, o universalismo e a partilha de certos valores básicos numa escala planetária – não põe em causa a ideia do homem como ser culturalmente situado. Pelo contrário, o “cidadão do mundo” não é um “cidadão de parte nenhuma”. Ele tem uma origem, um lugar de onde saiu, onde sempre pode voltar, e onde sempre se sentirá em casa.

A diáspora açoriana será, porventura, um dos melhores exemplos do que acabo de referir: o lugar onde residem pode bem ser a “terra das oportunidades”, mas os Açores são o seu “porto de abrigo”, onde sabem que sempre podem voltar a lançar de novo a sua âncora.

2. Se uma clara identificação cultural é fundamental para que as pessoas façam o seu caminho com segurança – aqui ou pelo mundo –, ela é também muito importante como fator de inclusão e coesão social.

Enredados por uma autêntica rede consumista, fascinados por sucessivas descobertas tecnológicas, e envolvidos por uma teia de negociação de interesses, regra geral com tradução económica, os cidadãos do final do século XX e início do século XXI, formados na civilização ocidental, deixaram-se muitas vezes adormecer para o bem comum – para esse conceito básico do pensamento político, intensamente trabalhado desde a Idade Média pelos doutores da Igreja, como critério de legitimidade do poder público e da sua ação.
Consequentemente, a tessitura comunitária foi-se por vezes esboroando e o acento tónico da sociedade passou a residir nos indivíduos que a constituem, agindo de acordo com as respetivas preferências subjetivas. Entra-se numa espécie de “sociedade individualizada”, hedonista, quantas vezes sentida como o prenúncio de uma “era de vazio”.
A cultura – as comunidades culturais, à escala nacional, regional e local – constituem, porém, o liame que permite juntar de novo as peças do puzzle e fazer despertar as pessoas para o bem comum, como ideia mobilizadora de uma sociedade. Apenas a partilha de costumes e tradições culturais, de ambições e mundividências consegue gerar um sentimento e uma vontade de entreajuda, que funcionam nos momentos de maior dificuldade que a sociedade como um todo experimenta, mas que afetam alguns dos seus membros com muito maior acuidade. Somente esse sentimento de pertença e identificação cultural permite compreender que nenhum cidadão poderá ser deixado para trás, abandonado à sua sorte, abaixo de um nível mínimo de sobrevivência condigno que garanta a sua inclusão comunitária.

Foi este sentimento e esta noção do bem comum que os nossos homenageados de hoje têm sabido interpretar, retirando daí as devidas consequências práticas, num tempo que de dia para dia se vem tornando mais exigente. Eles são a expressão de uma solidariedade com rosto humano, que olha na face o seu semelhante e lhe estende a mão.

Bem hajam, pois, pelo vosso empenhamento e pela vossa ação desinteressada, em prol do bem comum.

3. Por tudo isto, a cultura é também a chave de um desenvolvimento económico harmonioso e sustentável – quer dizer, justo não apenas nas relações entre as pessoas pertencentes às gerações presentes, mas também nas relações entre estas e as gerações futuras.
Como alguns estudiosos da área da Sociologia se vêm esforçando por demonstrar, a cultura é essencial para a formação do chamado “capital social”, por contraposição ao capital enquanto simples “fator de produção” de bens económicos ou mero conjunto de artefactos materiais. Com efeito, as redes socioculturais em que as pessoas estão inseridas – desde a família às associações, formais ou informais, de natureza caritativa ou recreativa, passando pelas escolas e pelas instituições de governo locais – têm um valor económico inestimável. Essas redes proporcionam confiança e reciprocidade na economia.
Como é fácil de compreender, pessoas mais integradas social e culturalmente são igualmente pessoas mais felizes e, portanto, mais fiáveis e seguras de si, mais empenhadas no progresso das respetivas comunidades – e, por que não dizê-lo agora, mais empreendedoras e produtivas.

Por outro lado, dado que o verdadeiro desenvolvimento económico pressupõe respeito por um princípio de sustentabilidade, a preservação do património cultural de uma sociedade – em todas as suas dimensões materiais e imateriais – constitui um verdadeiro dever das gerações presentes para com as gerações futuras.
Nunca somos donos da cultura – nem mesmo da nossa própria cultura –, mas apenas a conservamos e valorizamos para as gerações vindouras.
Como dizia Miguel Torga, afinal somos apenas corredores de uma longa estafeta, a receber e a passar o testemunho no momento devido.

Daí – se me permitem uma nota de índole jurídica – a dupla dimensão que a cultura assume na própria Constituição portuguesa. De um lado, a cultura como um direito fundamental dos cidadãos à criação e fruição de bens culturais de qualidade. De outro lado, a cultura como dever objetivo de preservação e valorização de uma herança, como “elemento vivificador” de uma identidade comum – dever esse que é partilhado pelo Estado, pelas instituições sociais e por todos os cidadãos individualmente.

Distintos convidados

Minhas Senhoras e meus Senhores,

É tradição que neste dia sejam impostas pelo Representante da República em representação e em nome do Senhor Presidente da República as insígnias das condecorações concedidas a cidadãos e instituições açorianas que se notabilizaram pelas suas atividades relevantes, públicas ou privadas, honrando os Açores e Portugal.

Este ano serão agraciadas a Irmandade do Senhor Santo Cristo dos Milagres, a Santa Casa da Misericórdia da Madalena do Pico e as Senhoras Dona Maria Evelina Vieira Rosa e Dona Maria Alice da Costa Silveira.

Desde já apresento aos digníssimos representantes das duas instituições bem como às ilustres agraciadas as minhas sinceras felicitações.

São todos casos de grande generosidade e desprendimento dos interesses próprios em prol da comunidade e dos mais carenciados de ajuda e sobretudo de afeto.

São todos expressão do sentimento de entreajuda e solidariedade que dá força à nossa comunidade e sentido às nossas vidas.

Num momento difícil da nossa sociedade o seu exemplo ganha uma relevância particular e é merecedor da admiração e reconhecimento públicos.

Minhas Senhoras e meus Senhores

Termino desejando as maiores felicidades para todos os açorianos e açorianas, quer sejam residentes na Região, no Continente, na Madeira ou da Diáspora e um futuro melhor para os Açores e para Portugal.