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GABINETE DO REPRESENTANTE DA REPÚBLICA

PARA A REGIÃO AUTÓNOMA DOS AÇORES

SOLAR DA MADRE DE DEUS

ANGRA DO HEROÍSMO

 

ENTREVISTA CONCEDIDA AO jORNAL " O ARAUTO", DA ESCOLA SECUNDÁRIA MANUEL DE ARRIAGA, EM ABRIL DE 2022

 

1. Este número do Arauto é dedicado a um conjunto de intervenções dos alunos no espaço social que inclui a sua participação no Parlamento Jovem e, no domínio ambiental, através da Eco escola. Esta participação é, em simultâneo, um exercício de cidadania e de aprendizagem da democracia. Enquanto Ministro da República, como vê a qualidade da democracia nos Açores?

RR Os Açores estão integrados num país, Portugal e numa associação de estados, a União Europeia, que são espaços regidos por sistemas de governo democráticos, representativos, com os seus parlamentos, eleições livres, primado do direito e tribunais independentes, liberdade de expressão e de imprensa, respeito pelos direitos humanos. Saliente-se ainda a alternância democrática que tem prevalecido na Região. Mas uma democracia perfeita não se esgota nos seus aspetos formais, necessita de instituições fortes e tem que ser avaliada pelo grau de desenvolvimento que proporciona aos seus cidadãos. Tem que criar oportunidades para todos e dar-lhes condições dignas no que diz respeito ao acesso à educação, à saúde, ao trabalho, à habitação, à segurança social, à cultura, à ciência. A sociedade açoriana, se bem que apresente aspetos muito positivos, deve continuar a aspirar a uma diminuição das desigualdades sociais, à elevação do nível de vida, à melhoria de oportunidades e integração na vida económica. É um esforço coletivo por que todos somos responsáveis. Na minha opinião temos que começar pelos mais jovens, a partir do pré-escolar, criando condições de um ensino de excelência que não deixe para trás nenhuma criança e as respetivas famílias.

 

2. Os Açores têm historicamente uma baixa participação em atos eleitorais, sobretudo a partir dos anos 80 do século XX. Como explica este fenómeno e que medidas poderiam ser tomadas para o inverter?

RR A baixa participação em atos eleitorais não é um exclusivo açoriano, é um problema das democracias ocidentais. Dois fatores, na minha opinião, podem influenciar e inverter o fenómeno nos Açores: a escola e o nível socioeconómico da população. Para além destes fatores acrescentaria a falta de envolvimento da classe política numa aproximação com os cidadãos que promova um encorajamento e uma consciencialização não só do seu dever cívico, mas também do seu interesse por uma participação na vida democrática das suas comunidades.

 

3. A democracia trouxe consigo a autonomia dos Açores e da Madeira, que ao longo do tempo se tem aprofundado. Como avalia este processo e os benefícios e desafios deles decorrentes para os Açores?

RR A autonomia dos Açores e da Madeira, consagrada na Constituição de 1976 e aprofundada através de diversas revisões constitucionais, está hoje bem institucionalizada, tem tido resultados muito benéficos para as duas regiões e para o país e é aceite e apoiada por todos. Essa autonomia tem contado com a cooperação e solidariedade da República e tem coexistido com uma integração que se verifica em diversos sectores com uma regulação que abrange e se estende a todo o território nacional. Mas a autonomia, que se traduz no autogoverno das Regiões Autónomas tem sido respeitada de um modo geral numa base de diálogo e consulta, que na minha opinião devem ser reforçados.

 

4. Considera que existe espaço para o desenvolvimento do processo autonómico e em que sentido?

RR O Estatuto Político-Administrativo dos Açores diz no seu artigo 14º que o processo de autonomia regional é de aprofundamento gradual e dinâmico. Esse aprofundamento deve ser feito sobretudo através do seu exercício, aproveitando todo o potencial que o quadro constitucional vigente oferece. Tudo aquilo que possa promover o desenvolvimento económico-social e a autossuficiência, que reforce a participação, cooperação e coordenação de cada ilha no todo regional e uma maior participação democrática dos cidadãos na vida política da Região deve ser inscrito na agenda das entidades que se ocupam da problemática da autonomia.

 

5. Dada a sua experiência como Ministro da República, como explicaria a um jovem a utilidade e a função do cargo que ocupa?

RR O Representante da República que sucedeu à figura do Ministro da República, designação do cargo até 2004, deixou de ter as funções executivas e de coordenação dos serviços de Estado na Região. Atualmente tem um papel mais limitado, mas igualmente importante. Por um lado, tem uma função de representação, com um valor simbólico, que não compete com os órgãos de poder regional nem limita as suas competências. Existe para marcar, de uma forma permanente e próxima da população, uma presença da República Portuguesa, do todo nacional, de que os Açores fazem parte. A sua existência, consagrada na Constituição, e a sua nomeação pelo Presidente da República, que lhe concede legitimidade democrática, só pode contribuir para a dignidade das instituições políticas da Região assinalando a dimensão nacional que deve estar sempre presente no seu espírito e na sua ação. O Representante da República tem igualmente a importante função de nomear o Presidente do Governo Regional e os Secretários Regionais em função dos resultados eleitorais. Para isso é um juiz imparcial e independente que se situa fora dos partidos. Finalmente tem a missão de fiscalizar a função legislativa da Assembleia Legislativa e do Governo Regional assegurando a conformidade dos diplomas legislativos com a Constituição e o Estatuto Político-Administrativo. Esta, como as anteriormente referidas, é uma função importantíssima que garante a existência de uma sociedade respeitadora da lei e a proteção dos cidadãos e dos seus direitos fundamentais.

 

6. A qualidade da democracia global está a ser posta à prova pelo surgimento no espaço público de formas de intervenção que, ao abrigo dos valores democráticos, a subvertem. Como analisa esta relação entre a democracia e aqueles que, no seu seio, a utilizam para a combater e, se possível, a anular?

RR A democracia assenta em eleições livres, mas também em instituições fortes organizadas democraticamente num sistema de pesos e contrapesos. A liberdade de expressão e de associação tem que ser garantida, mas deverá ser acompanhada pela responsabilidade e pelo respeito de terceiros.  O seu exercício deverá ser sujeito a uma avaliação por instâncias judiciais independentes e pelos órgãos de poder representativos atuando segundo as normas da Constituição nos limites por esta estabelecidas.

As ideologias totalitárias que visam a subjugação dos indivíduos, muitas vezes atuando sob a capa de uma alegada democracia, não são um problema de hoje, tendo a Humanidade não poucas vezes sofrido duramente a força bruta de regimes sem qualquer respeito pela liberdade dos cidadãos, pelos seus direitos e pela verdade. Veja-se o caso da Ucrânia. Todos e cada um temos o dever de contribuir para uma sociedade que defenda e garanta os direitos democráticos dos cidadãos. Só assim poderá prevalecer a democracia.

 

7. Com a emergência das redes sociais, as novas possibilidades de difusão da informação cresceram exponencialmente. Esta proliferação, sem controlo nem limites éticos evidentes, tende a corroer as bases dos sistemas democráticos. O que pode a democracia fazer, sem pôr em causa os seus princípios e valores, em sua defesa?

RR As redes sociais como quaisquer outros meios de difusão de informação podem ser usadas para o bem ou para o mal. Na minha opinião tem que haver uma regulamentação criteriosa, que evite por um lado a supressão da liberdade de expressão e ao mesmo tempo a sua utilização abusiva com a responsabilização dos prevaricadores. Registo a este respeito os progressos que têm sido feitos, por exemplo para o controlo das fake news tanto pela ação do jornalismo independente – fact checking – como pela ação de legislação e programas da União Europeia, que pressionam os gigantes da era digital (face book, twiter, etc.).

 

8. Instituições como o Parlamento Jovem têm funcionado como uma escola de democracia para os nossos alunos. Que medidas considera que poderiam contribuir para aumentar a participação dos jovens na vida política?

RR Só posso louvar iniciativas como o Parlamento Jovem. O espírito crítico dos jovens, a dúvida metódica e a busca de uma informação fidedigna, o respeito pelos outros e a admissão de uma diversidade de opiniões desde que baseadas na verdade, a aceitação de regras para o debate em condições igualitárias, a sustentação de opiniões em factos verificados e comprovados por entidades conhecedoras das matérias discutidas, tudo isto deve ser incutido nos jovens para os preparar para uma cidadania informada e esclarecida.

 

9. A educação ambiental e a adoção de medidas a nível planetário destinadas a combater as alterações climáticas e a redução da biodiversidade, são hoje uma necessidade da qual depende o futuro da civilização. O ritmo e a natureza das medidas que têm vindo a ser tomadas parece-lhe adequado, terá de ser incrementado ou já não há nada a fazer?

RR Estamos numa situação de emergência relativamente às alterações climáticas e ao aquecimento global. Temos que atuar já, a partir de hoje e em todos os dias do ano. É uma responsabilidade coletiva e individual dos governantes e dos governados. É uma luta em que todos devemos colaborar. É preciso dizer aos jovens: façam qualquer coisa por mais pequena que seja a favor do ambiente; é a qualidade da vossa vida que está em jogo; na próxima semana tragam uma lista das vossas ações que até lá praticaram.

 

10. A recente intervenção militar da Rússia na Ucrânia ameaça romper os equilíbrios geoestratégicos do mundo atual. Como explicaria a um jovem este conflito e aquilo que nele está em jogo em termos globais?

RR  A situação na Ucrânia é horrorosa. A agressão e invasão de um país, em violação do Direito Internacional, não provocada e não justificada, é uma ação tresloucada de uma mente doentia e malévola. Devemos todos condená-la. A liberdade e a democracia são forças imparáveis que mais cedo ou mais tarde haverão de prevalecer. A queda do muro de Berlim em 1989 e o colapso da União Soviética em 1991 deveram-se, não à força das armas, mas à explosão da liberdade dos povos até então vivendo asfixiados por ditaduras comunistas fascizantes. O ataque da Rússia à Ucrânia vem agora mostrar-nos que não basta a democracia para construir e preservar sociedades livres e prósperas, é imperioso que não deixemos de estar preparados para possíveis embates com ditaduras agressivas. Tal implicará sacrifícios. Teremos que usar uma boa parte dos nossos recursos para construir defesas eficazes para evitar ou neutralizar as agressões das ideologias totalitárias que só espreitam as oportunidades para alargar o seu poder e impor ditaduras incompatíveis com o mundo livre em que desejamos viver.